sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Uma flor à Hércules

Ela anda por aí dizendo que é forte e que até já consegue amarrar suas sandálias. No entanto, preciso te confessar: nem Mégara tinha tanta graciosidade. Eu sou aquele cara atrás dos holofotes que a vê brilhar da penúltima fileira do teatro enquanto ela dança e atua, fazendo, de sua própria vida, uma peça digna da Broadway. Eu assisti seus sorrisos de longe, querendo ter a assistido em todos os seus choros enquanto se lamentava na casa de alguma amiga que a tem tão por perto me mantendo afastado. Mas eu estava na penúltima fileira do teatro, onde sua voz, ainda impecável, deveria começar a morrer enquanto me deixava mais vivo.
Ainda lembro da primeira vez que a vi. Parecia ser a única flor que ainda vivia, no meio das tantas que vagavam murchas naquele pátio acinzentado. Sem cor. Sem cheiro. Mas ela tinha, em suas pétalas, todas as cores e tons e mesclagens que possam existir enquanto exalava um cheiro impossível de ser colocado num frasco do perfume mais caro da França. Sua franja escondia os olhos verdes que nunca pousaram em mim e seu sorriso, um tanto felino, exibia os dentes tortos que eu tanto queria que rasgassem minha pele. Mas eu continuei na penúltima fileira do teatro enquanto a enxergava mudar a cor de seus cabelos e exibir as tatuagens que marcam seu corpo para outros poderem admirar.
Soube que ela anda por aí se divertindo nas festas alternativas e me pergunto se, se eu pintasse o cabelo de vermelho, ela começaria a me dar alguma bola. Também a colocaram para tocar ao invés de chamá-la pra cantar alguma música dessas cantoras pops que ela tanto gosta; e Deus sabe o quanto eu ia gostar de ouvi-la cantar mesmo que não fosse só para mim. E o quanto eu queria ser um cigarro em sua boca enquanto ela posa para alguma foto sensual em meio à fumaça; posso ser até um cigarro em suas mãos, mas ela já me tem nas mãos. Só não quer me tragar enquanto eu tragaria um maço dela por dia. Por hora. E dane-se se eu tivesse câncer por tanto tragar aquela flor. E, se você acha fumar um tanto pesado, posso virar vinho em um milagre divino, só para ela me beber antes de sair com qualquer outro homem que esteja a admirando da  primeira fileira do teatro.
Mas eu ainda estou aqui, na última, longe demais para conseguir enxergar as sardas quase invisíveis que sei que ela tem no nariz, ou as marcas de tristeza que sei de cor e salteado onde se escondem. E suas desculpas. E as marcas de felicidade estão estampadas nos sorrisos das revistas que a querem na capa enquanto matam mais mil caras de desejo. E eu a desejei desde a primeira vez que eu vi quando ela se diferenciou onde as pessoas pareciam todas iguais. Que pessoas? Para mim, era só ela. E toda a leveza do seu caminhar enquanto sua saia longa fazia parecer que ela flutuava. Mas quem flutuava era eu. E não conseguia aterrizar enquanto a via desfilar por mim com as amigas que nunca desgrudavam. Aquelas amigas que sempre recebiam os olhares, os sorrisos, os abraços e carinhos enquanto eu assistia sua vida da parte mais escura, fria e isolada do teatro. Ela nunca iria me notar.
E a flor permanecia forte mesmo em meio a tantas turbulências que tentavam entortar seu caule e às âncoras que tentavam afundar seus balões. Mas eu ia afundando aos poucos minha vontade de plantá-la em meu jardim, sem sair do zero para o herói e tentando me convencer que não era paixão, e que ela nunca teria uma paixão por mim. E ela continuava a traçar o caminho do teatro enquanto aproveitava o anonimato nas festas com suas fotos de pirata ou nas que beija outra flor. Outra.
Por fim, não sei e nem nunca saberei se teria adiantado sentar na primeira fileira e me apresentar para a flor donzela e indefesa que se destacava no jardim. Preferi deixar assim e continuar a assistindo de longe no pátio até ter a chance de assisti-la de longe em uma peça cara para aqueles que a descobriram depois de mim. Ou para aquelas. E sentarei no fundo, sem vencer distâncias, e a dando espaço para misturar seu perfume com o cheiro de outras flores, mesclando suas cores nas delas enquanto me deixa sem cor e sem cheiro. Mas, desde que as flores a façam exibir seu sorriso felino por aí, ficarei em paz.
Só não deixem a flor deixar de aflorar.
Maurício
 

Blog Template by BloggerCandy.com