quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Como prateleiras de madeira


Minhas prateleiras estão lotadas e eu tenho medo de que elas caiam sob minha cabeça a qualquer momento de soneca em meio a um estudo cansado. Colecionam poeiras que ninguém se atreve a limpar pois ninguém se atreve a mexer no que é meu - no que paguei, no que ganhei (você não é meu mas a foto que exibo sobre minha prateleira foi eu que me dei). Minha bagunça é só minha e isso é fronteira perigosa. São xícaras que enganam uma decoração mas que me servem memórias e acumulam o vazio que as lembranças me deixaram de viagens, de shows e de lugares que nunca conheci mas vivi na memória de quem foi.
  Sou uma lembrança, afinal.
Eu empilho os livros velhos e novos e lidos - e os não lidos também para, quem sabe, eu ler quando tiver algum tempo (ou vontade). Meus livros que são relacionamentos sérios onde vivo, dou tempo ou saio com outros dentro de um mês sem culpa de me difamar - eles guardam meus segredos mais impróprios. E guardam também cada parte de mim que outro conseguiu revelar enquanto eu nunca soube colocar em palavras. Grande coisa, palavras. O dicionário está cheio delas e a gente só abre um quando não entendemos algo.
E se eu não entendo a vida, fico como?
São caixas de brincos que não uso e colares que me enforcariam num descuido emocional. Pulseiras que são elogiadas enquanto usadas para esconder a pele. Tatuagens e cortes e marcas de infância como a de quando me machuquei na piscina enquanto jogava água para fora - nunca mais brinquei assim. Óculos que disfarçam os olhos sentimentais e sentimentados e chaves que se escondem, com frequencia, em algum buraco entre livros e caixas e montes de poeira.
Será que consigo me esconder num desses espaços também?
Os remédios já venceram - a validade e a luta contra mim. Mas ainda os guardo numa hipocondria que disfarço nos ataques de rinite que toda a poeira da prateleira me dá.

A televisão velha que nunca liguei. 
Os quadros que nunca pendurei. 
Os textos que, de escrever, nunca terminei.
E só Deus sabe se um dia hei. 

Sou assim, feito prateleira cheia e empoeirada que acumula distância dos outros por medo de cair; que guarda lembranças e piadas, carinhos e descarinhos que só os corajosos conseguem abraçar. Que me guarda.
Mas quarto se arruma, se varre. Se organiza, se aspira. E, se bagunçar, organiza de novo. 
Mas prateleira se arruma, se conserta. Se esvazia, se limpa. E, se cair, pendura de novo ou troca por outra.
Mas se madeira apodrece, não tem mais jeito. E, sendo madeira, como faço pra me consertar? (Só espero que você nunca apodreça.)
Sylvia
 

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