domingo, 6 de outubro de 2013

Quis café da manhã mas me veio você

A culpa foi da minha mãe. Ela que me mandou ir até a padaria comprar pão logo às sete e vinte e três da manhã. Eu tinha acabado de levantar da cama - levantar, pois estava acordada enrolando desde às sete e quinze. Mas levantei e ela me gritou que não tinha pão. E o leite estava no fim. E, como eu não queria assistir aula com fome, pois tudo fica mais insuportável quando estou com fome, lá fui eu até a padaria da esquina um tanto descabelada, de cara amassada e olheiras.
E, se a culpa não for da minha mãe, com certeza será do padeiro. Eu até que gostava do Seu Chico; era um senhor simpático, grisalho e sorridente, com cara do vovô da família feliz no comercial de margarina. Se a família era feliz, eu não sei, mas ele assim parecia estar toda a vez que eu ia lá comprar pão e ele me entregava o pedido sem nem eu pedir - "o de sempre", ele me dizia enquanto me dava o saco de pão quentinho exibindo o riso. E eu geralmente sorria mas, daquela vez, eu devo ter resmungado um "obrigada" que provavelmente soou mais como um "quero morrer" (eu com sono sou simpaticíssima). A culpa deveria ser do Seu Chico por ter atendido a senhora antes de me atender.
Entretanto, também posso culpar aquela senhora. Me recordava dela ali da rua; sempre em seus vestidos floridos me lembrando a prima Vera - tenho uma prima chamada Vera, cinquentona e um tanto encalhada, que só usa vestidos floridos. Quando eu estou de bom-humor - há quem diga que é raro mas eu acho pura intriga da oposição -, eu gosto dessa senhora. Gosto do jeito que ela sorri como vó para qualquer um que passa por ela na rua a retribui um olhar afetivo enquanto caminha devagar com sua bengala. Gosto quando ela entra na padaria cumprimentando todos enquanto cantarola alguma música do Roberto Carlos. Mas agora, olhando para trás, eu desejava que ela não tivesse pisado naquela padaria. Ou que tivesse, então, pisado ali alguns segundos depois de mim para que Seu Chico tivesse me atendido antes.
Mas, já que a senhora entrou antes de mim, culpo a responsável pelo segundo caixa que não tinha chegado ainda, ou tudo que a tenha impedido de já ter chegado lá. Tudo bem que a padaria é pequena, a freguesia é pequena e a quantidade de clientes que a frequenta antes da 7h30 da manhã também é pequena. Mas é obrigação dela estar no trabalho quando a loja abre, não? Não? Porque deveria ser. E ela deveria ter estado lá para me atender e ter feito com que eu voltasse para casa mais rápido.
Ainda resta um pouco de culpa à pessoa que estacionou aquele carro velho em frente a porta da padaria e que te impediu de me ver enquanto saia do estacionamento. Ou a culpa até tenha sido sua por ter insistido em ir até aquela mesma padaria naquela exata hora, e avançado sua bicicleta sem me ver passando. Ou a culpa era das minhas pernas por serem frágeis e me deixarem cair no susto quando quase fui atropelada pela sua bicicleta, te fazendo vir todo preocupado perguntando como eu estava. Eu estava bem - respondi gaguejando. Mas gaguejando não de dor, nem de susto, nem de raiva ou de vergonha. Mas de gastrite nervosa repentina e eu culpo seus olhos azuis. Ou minha queda por olhos azuis. E sorrisos bonitos e gentis.
Mas, no fim, acho que a culpa foi minha: eu deveria mesmo ter ido para aula com fome. Ou, pelo menos, deveria ter aceitado a carona até em casa na sua garupa como seu pedido de desculpas.
...Agora eu só espero ter a chance de culpar todos nós novamente.
Julieta.
 

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