quinta-feira, 11 de agosto de 2016

A Mulher Que Passa Na Praça

Não sabia ao certo quem era, mas ela passou por mim singelamente. Te digo que eu estava apenas sentada no banco velho da biblioteca velha, tentando achar algo novo que nascesse naquele jardim em minha frente. Mas ela surgiu pisando em todo o verde que inteirava minha visão. Aquela mulher desconhecida e distante, coberta por um discreto vestido longo e por uns cinquenta anos. Pisava no meu verde com um pisar qualquer, um passo comum e um andar desinteressante. Ela deve ser sozinha, pensei comigo e meus pensamentos mais insensíveis que me fazem companhia e ri por fim. Te digo que você não se atrairia por ela e pode confiar em mim.


Veja, preciso escrever o quanto ela não nos faz querer escrever sobre ela. Preciso contar o quanto ela não nos faz querer contar sobre ela. E acho que você já me entendeu, não é mesmo?


Você não vai querer escrever sobre o peso que ela pode carregar nas costas e que esconde em uma aparência indiferente enquanto atravessa aquele pátio quilométrico abaixo de um calor que passa dos trinta e cinco. O que os cadernos dentro de sua bolsa revelariam sobre a mulher que passa na praça? Textos melancólicos sobre uma vida perdida. Saudades de um amor que se foi. Contas matemáticas com pura irracionalidade que nós nunca entenderíamos. Ou até aquela receita do bolo de fubá que a avó dela fazia antes de morrer. Poderiam ser tantas coisas... E eu poderia perguntar o que você acha que teria ali dentro mas eu sei que nada irá achar. Nem de pensar e nem de encontrar. Porque eu nunca perguntaria sobre algo tão insignificante para você me responder que não se importa.


E, alheia ao meu olhar em cima dela, ela continuava a andar. Sem beleza e sem charme. Sem corpo e sem postura. E sabe-se lá se tinha um coração também. Mas ela seguia seu caminho livre e solta das faltas de vontade dela. Não foi musa de Manuel Bandeira e nem foi como Julieta para algum Romeu. No entanto, ainda andava com um pé na frente do outro mesmo que com a postura um pouco torta. Ajeita a coluna, minha senhora! Quis gritar e fazê-la ouvir, mas me contive. Vai que ela percebesse que alguém a observava? Se acharia importante e atraente, provando da mais doce ilusão. Mas, mesmo com a coluna torta, ela continuava a trilhar sua estrada como eu, como você e como todas as outras pessoas que ali caminhavam.


De onde vinha? Para onde iria? Largue o filosófico e vamos para algo menos complexo mesmo. Saía da aula? Iria para casa? E como vai e por que vai e o que vai fazer quando chegasse lá, em algum lugar? Eu, certamente, continuarei aqui, sentada nesse banco velho dessa biblioteca velha, procurando algo novo que nasça nesse jardim. Sem vontade de contar sobre ela e sobre a rasteira azul marinho que ela usava nos pés enquanto seu longo ia arrastando na grama.


Mas a mulher não se preocupava. Apenas caminhava, e ia continuar caminhando até sentar em um carro ou uma parada de ônibus qualquer, ainda que estivesse continuando seu caminho. Trilhando, seguindo, fazendo sua história sem saber que sua história não interessaria a ninguém. E que ninguém nunca irá escrever sobre como ela continuava a seguir sem se preocupar com quem não se preocupava com ela.

 

Blog Template by BloggerCandy.com